A ignorância é uma benção!
Por favor, não estou eu aqui a defender a ignorância como escolha de vida. Apenas ressaltando que o conhecimento, depois de adquirido, não permite volta, não admite o retrocesso, seja na área que for, inclusive na gastronomia. Basta um prato bem elaborado, um ingrediente selecionado, um bom atendimento e, pronto, nunca mais você aceitará menos do que o ótimo, do que o espetacular. Você então passa a odiar o dia em que provou aquele melhor bolinho de bacalhau do mundo e hoje não conseguir comer nenhum outro sem uma leve amargura pela distância ou preço daquele. Ah, se não o tivesse provado! Tudo seria mais fácil.
Ok, provavelmente essa seja a única vantagem da ignorância, pois o conhecimento é deveras mais compensador. Mesmo quando a situação parece ter chego ao limite, você descobre que ainda é perfeitamente capaz de se impressionar, de provar algo tão saboroso que não será mais capaz de comer o arroz e feijão diários sem a companhia da nostalgia. E o prazer da descoberta faz você esquecer por completo do quanto sua vida gastronômica será difícil dali em diante. A ignorância pode te dar o conforto da satisfação plastificada, mas o conhecimento te abre os horizontes e te permite mudar para sempre, ainda que seu estômago seja agora habitado por borboletas saltitantes e exigentes.
Já falei aqui sobre o problema das expectativas e como elas acabam, algumas vezes, nos pregando peças. Mais uma vez tive receio de esperar muito do local e acabar não me surpreendendo. Afinal, um restaurante que, segundo a Ailin Aleixo, seria o escolhido para levar um amigo gringo, caso tivesse tempo para fazer apenas uma refeição na cidade, deixa qualquer um esperando uma explosão de sensações. Sorte que o Henrique Fogaça – Chef e proprietário – não é de brincadeira. A cozinha integrada ao salão, permitindo ver todo o processo de preparação dos pratos e já ir se deliciando com os cheiros, foi a primeira alegria da noite, não diminuída nem pelos aromas impregnados na roupa e levados para o Hotel. Nada é capaz de tirar o prazer de ver o Chef provando a comida com gosto e ajustando o sal caso não satisfeito com o resultado. Mas é bom avisar: se você não se empolga com Nigellas e Jamies Oliver apreciando os pratos que acabaram de elaborar, sujando os dedos mesmo, você não merece se deliciar com os pratos do Sal Gastronomia e muito menos é digno do meu respeito.
O dia já havia sido de pé na jaca, com um tour gastronômico digno de fazer inveja nos buchinhos mais ogros. Nem por isso podíamos abrir mão do trio entrada + prato principal + sobremesa. E, claro, cada um no seu quadrado, permitindo um rodízio de sabores, até porque escolher dentre tantas atraentes opções não foi questão fácil e assim facilitamos um pouco o trabalho. Guilherme começou de jalapeño com linguiça de cateto (25 dilmas). Sim, para estômagos acostumados com pimenta, mas sem exageros. O pãozinho de acompanhamento permitiu aplacar com facilidade a picância da mistura, sem tirar a perfeição de sabores do conjunto.
Já a amiga Juliana foi de palmito pupunha assado, óleo de castanho do Brasil e majericão (28 dilmas). Simples e saborosíssimo. Não é à toa que o local se chama Sal Gastronomia, pois o Chef não tem medo nenhum de usar esse e outros temperos em todos os pratos que elabora. Nada de comida sem gosto e sem graça. E as misturas são muito bem vindas.
Que o diga a minha entrada: queijo coalho tostado com melado e uva verde. Muito embora a combinação queijo coalho + melado seja bastante conhecida, as uvas verdes deram um toque especial ao prato, tornando-o ainda mais saboroso. As porções de todas as entradas eram bastantes generosas, principalmente se considerado o fato de que ainda nos esperavam o prato principal e a sobremesa.
Não sem dificuldade, escolhemos os pratos. As dicas no foursquare eram tantas e recomendavam quase todo o cardápio, que a escolha teve que ser pelas preferências pessoais mesmo. O primeiro, noque de mandioquinha com ragu de javali (65 dilmas), estava tão bom que mal me permitiram provar mais do que uma garfada. O espírito de divisão foi abandonado ali. Ao invés de cozinhar o nhoque, Henrique o grelha/frita, o que o deixa ainda mais saboroso. E não se enganem pela foto, pois o fundo do prato estava bem abastecido com o ragu de javali, perfeitamente temperado.
A Ju foi certeira: lombo de cordeiro , purê de dois queijos, funghi e molho de jabuticaba (65 dilmas). Uma completa explosão de sabores e consistências. O purê podia facilmente vir em grandes potes para ser comido de colher, como se não houvesse amanhã. Conforme postei no facebook logo em seguida: pode chorar de alegria após provar cada prato?
Então o meu pedido: lula à provençal com risoto de tomate, hortelã e mussarela de búfala (52 dilmas). Sabe aquela vontade de lamber o prato ao final da refeição? Juro que não fiz, mas vontade não faltou. Ju foi exemplar na descrição: como comer o mar. A pimenta balanceava perfeitamente com a hortelã presente no risoto. E por mais que a hortelã possa parecer um ingrediente estranho no prato, saibam que a combinação estava extraordinária.
As sobremesas também exigiram um certo esforço na escolha, pois a lista de opções era bastante atraente e queríamos garantir que cada um pegasse uma diferente para poder experimentar 3 variações. Não posso dizer que nossas escolhas foram as melhores, pois desconheço as demais que integram o cardápio. Mas posso garantir que todas arrancaram suspiros dos 3 buchinhos furados: rabanada com creme inglês de whisky e maçã (18 dilmas), mousse de chocolate belga, caramelo e sal negro (18 dilmas) e torta quebrada de frutas vermelhas com creme inglês (18 dilmas).
Tratando-se de São Paulo, nem precisaria ressaltar aqui a qualidade do atendimento da casa. Talvez pelo fato de ser esse artigo de luxo em Florianópolis, eu me impressione com as mínimas gentilezas. Melhor dizer que os pedidos vieram todos perfeitos, sem nenhum erro; agilidade na preparação e entrega dos pratos, não exigindo tempo superior ao necessário a suas preparações; nada de garçom limpando a mesa e expulsando os clientes para a acomodoção dos que aguardavam na fila de espera.
Minha conta fechou em 115 dilmas, incluindo bebidas, enquanto a dos demais um pouco mais elevada por conta da variação nos preços dos itens. Preço, contudo, mais do que justo ante a qualidade e quantidade de comida servida.
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Amei seu blog. Amei esse post. Fiquei com tanta, mas tanta vontade de tudo! hahahahaha farei questão de visitar na minha próxima ida ao Brasil. Também deixo o convite para que visite meu (projeto de) blog.
Beijo,
Ana
Obrigada, Ana. Fico muito feliz.
Vou visitar o seu, sim.
Beijos.
Pingback: Artusi Restaurante – Chef Klaus Pahl | Não vá se perder por aí
Michele, por favor, só para eu ter idéia se cabe no meu orçamento, quanto ficou a conta final, e para quantas pessoas? Excelente reportagem.